terça-feira, 21 de outubro de 2008

Resenhas do Recife Rock

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Cobertura: Festival Mundo - primeiro dia

Chegou até a dar uma certa “inveja”. Um pessoal novo – muito novo – produzindo um festival tão bacana quanto o Mundo, em João Pessoa. E o evento já está em sua quarta edição, o que significa que eles começaram a fazer o festival quando tinham entre 16 e 17 anos! Entediados com o cenário (ou falta de) local, arregaçaram as mangas e trataram de trazer bandas de fora para tocar em João Pessoa. E a estimular as da casa a se movimentarem também. Um pouco do resultado deste trabalho pôde ser conferido nos dias 17 e 18 de outubro no Galpão 14, no centro histórico da capital paraibana.

Se o primeiro dia contou com um público ainda tímido, por volta das 300 pessoas, o segundo lotou. E bons shows ficaram na memória nesta quarta edição do Mundo:Star 61CabaretMacaco BongGarfoSweet Fanny Adams (protagonista do incidente que roubou a cena de todo o festival) e Burro Morto. Entre os shows, acontecia uma mostra de documentários, alguns deles registrando a cena paraibana desde o final dos anos 80, com imagens de um Rodolfo ainda desbocado em época de Raimundos. Tudo bem organizado e simples. Apenas o som, na primeira noite, comprometeu um pouco a performance de algumas bandas. Coisa de festival mesmo.

Apesar do público bem enxuto que compareceu ao primeiro dia no Galpão 14, não faltou diversão durante a noite. Ao contrário, até sobrou. O competente e divertidoCamarones Orquestra Guitarrística, de Natal, colocou boa parte das pessoas para dançar ao som de suas três guitarras que brincam de transformar Bob Marley em metal e de pegar emprestadas bases de surf-music para tocar temas de desenho animado.

O som acabou comprometendo bastante a apresetação do também potiguarCalistoga, que conta com o mesmo núcleo de formação do Camarones e do The Sinks. Eles apostam em um rock garageiro, com vocais gritados, sem medo de dosar com uma certa histeria algumas canções dos Beatles, e em caprichar na sujeira em músicas de próprio punho. Mas o som acabou dificultando uma avaliação mais precisa.

O vocalista Flaviano, do Star 61, nunca escondeu de ninguém que resolveu montar a banda depois de ver o filme Hedwig, de John Cameron Mitchell. O resultado é uma afetação bacana de ver, ousadia, cara-de-pau, irreverência – nas letras e nos gestos -, adjetivos que combinam tão bem como o rock n’ roll. Flaviano é um verdadeiro showman. Andrógino, suas frases são um espetáculo a parte. Algumas delas: “estamos fazendo arte, e arte não tem sexo”. “Eu não tenho roadie. Nem namorado. Me ajudem, por favor!”. O ponto alto foi quando tocaram “Polegada Irada” (em português mesmo), de Hedwig, que contou com participação especial do vocalista Marvel, do Cabaret, que abraçou, beijou, sacudiu e fez poses com Flaviano. Mais bacana de tudo: o público da noite era do Star 61, a banda local. O mesmo aconteceu no dia seguinte, com o Cabruêra.

O Cabaret seguiu na mesma linha do Star 61, e a aposta de colocar os dois shows colados funcionou perfeitamente. A banda adiciona peso ao glitter e ao glam, e conta com o ótimo e performático vocalista Marvel. Além de ser um cantor incrível, Marvel é descaradamente influenciado por Ney Matogrsosso. Só que ele castiga ainda mais na ousadia. Desce do palco e passeia pelo público. Cola em uma menina, dança com ela e tasca um beijão de língua na garota. Descobrimos mais tarde que a senhorita beijada é noiva…Amparado por uma banda de pegada visceral, o vocalista acerta o tom em “Copacabana”, “Dentro de Você” (com participação especial deCarol Morena, da local Madalena Moog) e “Um dia no Paraíso”. Chama ao palco Flaviano, e juntos reverenciam o “rei” em “O Vira”, clássico absoluto dos Secos & Molhados. Showzaço.

De proposta diferenciada em comparação às bandas anteriores, o Macaco Bong foi tecnicamente perfeito. O trio é hoje dono de um dos shows mais interessantes do País. Ainda que optem por um gênero “difícil” como o da música instrumental, conseguem aliar virtuosismo com entretenimento, sem soar hermético demais por um lado, tampouco “fácil” demais por outro. Seu show acabou dividindo o público: metade colou no palco para conferir a apresentação do trio. A outra optou por dar uma volta pelo centro histórico. E ambos se deram bem…


Cobertura: Festival Mundo - segundo dia

Impressionante o apelo que o Cabruêra tem em sua terra natal. A aposta da produção do Festival Mundo em colocá-los como headlinners acertou em cheio o alvo. O público era todo deles. O Galpão 14 ficou lotado, assim como o Centro Histórico de João Pessoa. Em uma praça bem perto do local onde acontecia o festival, um show de pagode animava uma multidão. E, para provar o ecletismo da noite paraibana, no mesmo hotel em que ficamos hospedados estavam a produção e toda a equipe de uma tal Garota Safada, banda de Recife cujo enorme ônibus com a logo do grupo chamava a atenção de qualquer mortal. Este evento, infelizmente, acabei perdendo…

As bandas de abertura acabaram sendo prestigiadas por parcela do público do Cabruêra. As locais Cerva GrátisElmo e Nublado fizeram boas apresentações, com destaque para a última. O cearense Garfo mostrou uma sonoridade bastante peculiar, um bêbado roubou a cena do ótimo show do Sweet Fanny Adams, todo mundo se espremeu para conferir o Burro Morto e o dono da noite foi mesmo o Cabruêra. Por partes…

Conheço duas alemãs que estão fazendo intercâmbio em João Pessoa. Dizem que viram o Cabruêra no ano passado na Alemanha e que viraram fã do grupo. Perguntam se eles fazem sucesso aqui no Brasil. Tento responder que “sucesso” é um termo complicado aqui no Brasil. Para não passar a noite inteira filosofando sobre o mercado independente brasileiro, limito-me a dizer que eles são provavelmente mais conhecidos na Europa do que no Brasil, e que seu público maior deve se concentrar em João Pessoa mesmo. Elas acompanham todos os shows com nítido interesse, embora pareçam não entender o porquê de tantas bandas com propostas tão distintas do Cabruêra estarem na programação. E no final ficou fácil descobrir como elas viraram fãs do grupo…

Coube a nova Cerva Grátis abrir os trabalhos da noite. Com uma caixa de isopor escrita “cerva grátis” na frente do palco, o grupo apresentou um rock sem frescuras, nu e cru, ainda um pouco verde, mas que com certeza deve melhorar se lapidado. O destaque acabou sendo o cover de “Bom é Quando faz Mal”, do Matanza.

Já o Elmo, outro bom grupo local, apresentou um hardcore que ganha seus momentos de ápice quando capricha na sujeira e no vocal gutural. Por vezes tentam soar mais pop, e a coisa desanda um pouco. Mas mostram maturidade quando resolvem investir no peso. Seu show teve uma dupla concorrência cruel: o da chuva, que caiu bem no meio da apresentação deles; e de vídeos de sexo explícito que divertiam os que preferiram ficar perto do bar. Sacanagem com os caras. Literalmente…

Nublado pareceu, entre os novatos, o nome mais promissor da noite. Seu pecado maior: quase que a metade do show foi dedicada aos covers, seja de Radiohead,Franz Ferdinand e até uma excelente versão para “Malevolosidade”, do Superguidis, que acabou por demonstrar que, entre os vocalistas da banda, o baterista é de longe o melhor deles. No mais, o Nublado com certeza é uma banda que renderá bons frutos se for bem trabalhada.

O trio ceranse Garfo tem um leque de sonoridades extremamente volátil, embora siga a cartilha da música instrumental. Denso e ao mesmo pop, o som do grupo passeia com desenvoltura na dicotomia entre a brutalidade do peso e um certo jogo de cintura pop, oriundo do bom casamento entre guitarra um pouco mais suingada com baixo nervoso. Entre boas composições, como a nova “Al Pacino”, “Gim” e “Frank Eisntein“, o destque ficou para a excepcional “Médium”, que começa sossegada e explode aos poucos em esquizofrenia em forma de música. Ótima banda que tem tudo para trilhar um belo caminho no universo independente a até mesmo fora dele…

É chato dizer isso vindo de alguém do Recife, mas a verdade é que o nível subiu bastante com a apresentação do Sweet Fanny Adams. Há pouco mais de um ano escrevi que o grupo estava bem aquém de suas principais referências. Hoje a história mudou bastante. Maduros com a quantidade de shows que vêm fazendoNordeste afora, o Sweet Fanny Adams passa um vigor e segurança dignos de bandas veteranas. Profissionalismo que se preocupa com os detalhes, como no enorme pano de fundo com o logo da banda estendido atrás do palco. Tocaram, uma a uma (e  cada uma melhor do que a outra), as quatro músicas do EP “Fanny, You’re No Fun”. Fizeram cover do Tv on The Radio, mencionado pelo baixista e vocalistaDiego Araújo como melhor banda dos anos 00. E pareceu, de fato, a coisa mais natural do mundo. Ou seja, o que antes me parecia forçado (e não era) mostrou-se completamente autêntico. Autenticidade que só foi superada ao anunciarem a última música. Assim que o baterista Rafael Borges termina a contagem para começar a música, a banda pára. Ninguém no público entende direito. Diego diz que um bêbado atrás do palco atrapalhou o baterista. Pede palmas para o bebum. Ninguém entende bulhufas, e fica no ar a sensação de ser uma piada interna. Nova contagem de Rafael, e no momento em que a banda ensaiava começar “C’mon Gilr”, surge detrás do pano de fundo um cara que atropela baterista, parte da bateria e quase acerta a fotógrafa do grupo e um dos guitarristas, que até pensou em revidar, mas mudou de idéia após se dar conta do tamanho do sujeito. A façanha não foi das menores, uma vez que o pano de fundo é dos mais grossos, Rafael não é dos mais leves e a bateria idem…E o cara voou como uma bala. A polícia interveio, expulsou a figura do palco e a banda enfim pôde tocar a música sem mais atropelos. O porquê da invasão? Nem o invasor sabe…

Burro Morto tem os dois pés cravados na pscicodelia. Fazem uma espécie de jazz riponga, com alguns elementos da primeira fase do Pink Floyd. É cabeçóide, porém acessível. Tanto que foi grande o número de pessoas que não desgrudou os olhos do palco. Tudo bem que havia uma espécie de orgulho paraibano diante de uma banda da casa, mas era completamente justificável, pois trata-se de um grupo original e talentoso que não brota da terra todo dia.

Havia visto dois shows do Cabruêra na vida. Ambos em edições passadas do Abril pro Rock. E os tinha em alta conta na memória. Mas no Mundo a coisa foi diferente. Tudo o que o Cabruêra apresentou parecia mangue recauchutado, plastificado, artificial e malfeito. Mas caiu nas graças do público. E das duas alemãs, óbvio. E ficou fácil saber o motivo: é música para inglês ver, no pior sentido da expressão. A memória, por vezes, é um bicho rancoroso e traiçoeiro. Que o diga a minha…

Saldo final: um festival novo feito por gente ainda mais nova disposta a cavar o que há de novo na cena local e nacional. Voltarei, De novo…

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